05.06.22





Estraca, nascido em 1997 no bairro da Musgueira, um dos artistas de hip hop mais badalados dos últimos tempos e uma das principais referências da música de intervenção.




No coração do bairro, onde a vida pulsa e as contradições se cruzam, Estraca emerge como uma voz de resistência. Desde cedo, ele percebeu que o ambiente à sua volta era uma mistura explosiva de potencial e opressão. As ruas, por onde andou, contam histórias de luta, de um sistema que tenta silenciar a criatividade e a autenticidade dos que ali vivem. A sua música não é apenas arte; é um grito de revolta contra a injustiça social, a segregação e a gentrificação que ameaçam destruir o que resta da sua identidade. A primeira mixtape, gravada ainda adolescente em 2012, não foi apenas um marco na sua carreira, mas uma declaração de princípios.


Estraca não se contentou em ser mais um na multidão; ele decidiu desafiar as normas e confrontar as realidades que muitos preferem ignorar. O seu envolvimento com projetos musicais, como as oficinas com Francisco Rebelo, permitiu-lhe expandir horizontes, mas também o expôs à hipocrisia de um sistema que aplaude a diversidade enquanto marginaliza as vozes autênticas. A verdade é que, para muitos que cresceram no bairro, a música é uma forma de escapar, mas para Estraca, é uma maneira de enfrentar a dura realidade.


Recorda-se das viagens que fez para a Sérvia e outros países, onde se deparou com as injustiças que transcendem fronteiras. No entanto, essa experiência também lhe deu uma nova perspectiva: a percepção de que, ao sair da bolha, descobre-se um mundo repleto de desigualdades que precisam de ser combatidas. As suas letras não são suaves; são afiadas como facas, cortando através da superficialidade e expondo as verdades cruas da vida urbana. Estraca não tem medo de falar sobre as depressões que o perseguem, nem de reconhecer que a luta contra os demónios internos é um reflexo da batalha travada fora das suas paredes. As amizades que cultivou ao longo do caminho são as âncoras que o mantêm firme, mesmo quando o mundo parece estar contra ele. E enquanto os poderosos se reúnem em conselhos de elite para discutir o futuro do bairro, Estraca observa a gentrificação a desenrolar-se como um filme de terror. Os prédios de luxo estão a invadir as ruas, prometendo progresso, mas a que custo? Ele vê os antigos moradores, aqueles que construíram a alma do bairro, a serem empurrados para fora, substituídos por uma classe média que não entende a história ou a cultura que está a ser apagada.


Para Estraca, isso é uma traição à sua comunidade, uma tentativa de limpar a sujeira da realidade que não querem ver. Ele recusa-se a ser parte desse espectáculo. A sua música é uma forma de resistência, uma forma de recuperar a narrativa que lhe foi tirada. Estraca defende que a arte não deve ser apolítica, mas sim um reflexo da realidade, e é por isso que ele se encontra na primeira fila das manifestações, megafone na mão, exigindo justiça. Não é apenas sobre fazer música; é sobre transformar a sua dor em poder, a sua frustração em ação.


O seu compromisso com o activismo é inabalável. Ele está determinado a retribuir ao bairro que o moldou, criando espaços comunitários onde a criatividade pode prosperar. A ideia de um centro periférico, onde os jovens podem explorar a arte sem barreiras financeiras, é mais do que um sonho; é uma necessidade. Estraca sabe que, sem esses espaços, a cultura está condenada a morrer, sufocada pela indiferença de quem decide o que é "digno" e "valioso". Estraca desafia a noção de que o sucesso é medido apenas em números. Para ele, ter um público fiel que se identifica com a sua mensagem vale mais do que mil seguidores que não o ouvem.


A sua luta é por autenticidade num mundo que valoriza a imagem em detrimento da substância. E ele não se cala. Cada verso que escreve, cada palco que pisa, é uma afirmação da sua existência e da necessidade de um futuro melhor para todos. No final, a história de Estraca é a história de muitos: uma luta constante contra as forças que tentam apagá-los. Ele sabe que a música pode ser uma arma poderosa, e está disposto a usá-la para abrir os olhos dos que estão dispostos a ouvir. Enquanto houver injustiça e desigualdade, Estraca continuará a fazer barulho, porque a verdadeira arte não se submete; ela revolta-se, desafia e transforma.